Desbravando o Scania
Hoje existem treinamentos, consultorias, planejamento estratégico e muitas outras ferramentas para se administrar ou alavancar os negócios. Mas em 1966, as armas que eu dispunha eram trabalho e força de vontade. Sabia que era preciso ter objetivo, ter foco. Meu pensamento era: “Querer é poder”.
E eu fui insistente. Visitava clientes, conversava, mostrava o produto. O desafio não era simplesmente lançar-me no mercado. A empreitada era comercializar uma nova marca que vendia somente caminhões pesados.
Batalhei até conseguir comercializar duas unidades para a Transportadora Concha Ltda., de propriedade do Sr. Antonio Caporali, de Londrina.
No final do primeiro ano, a Irmãos Lopes comercializou oito caminhões Scania. E desde as primeiras unidades vendidas, fazia questão de fazer a entrega técnica na empresa, de terno e gravata. Acompanhado do vendedor, procedíamos a entrega das chaves e o registro fotográfico. Era uma forma de valorizar o “bem adquirido” e estreitar a relação com nossos parceiros comerciais.
No segundo ano vendemos quinze caminhões; no terceiro ano, trinta e cinco; no quarto ano, quarenta e uma unidades e aí a coisa foi deslanchando. Nos primeiros anos como concessionário Scania pude sentir a força e o potencial da marca. Tínhamos um excelente produto nas mãos.
Fizemos um trabalho de fomento para que o caminhoneiro se tornasse um transportador, formando uma pequena frota. Quando fechávamos uma venda, eu cuidava de toda a documentação para os pedidos de financiamento para o cliente.
Naquele tempo os bancos não sabiam operar o FINAME no interior do estado. Quem fazia isso eram as financeiras, em São Paulo. Para dar atendimento aos nossos clientes, passava noites em claro montando os processos de solicitação de financiamento, calculando na maquininha Facit todas as prestações, colocando uma a uma nas planilhas. Para cada caminhão vendido era feito um processo específico.
Não havia telex, fax, telefone celular ou qualquer outra facilidade tecnológica. Para agilizar o negócio, já que o malote demorava cerca de quinze dias para ser entregue, levava pessoalmente todos os processos a São Paulo.
Saía com o carro à meia noite de Londrina, toureando as estradas sem asfalto até Sorocaba. Quando chovia, a região de Cambará, Andirá e Bandeirantes ficava intransitável. Passei muitas noites encalhado na lama.
Quando finalmente chegava a São Paulo, dez horas depois, tomava um banho, me endireitava com um bom café e às onze horas entrava na financeira com a pasta recheada de papeis. Ficava lá dando entrada na documentação até o final do expediente.
De volta ao hotel, botava uma roupa confortável, tomava um lanche e caía na estrada. Só sentia que estava em casa novamente quando desligava o motor do carro, em frente ao Edifício Santo Antonio, ainda de madrugada. Algumas horas depois, já estava na labuta de novo. Nesse ritmo não teve jeito, fomos crescendo e conquistando o mercado.
Mesmo com tamanha correria, encontrávamos tempo para ajudar os amigos e as boas causas. Quando meu sogro, Seu Francisco, foi presidente do Lar Anália Franco, eu vendia rifas para arrecadar recursos para a manutenção da entidade que acolhe e ampara crianças.
Amiga próxima, Dona Lucilla Ballalai tinha o desejo de estruturar e perenizar o atendimento às pessoas com câncer na cidade. Ela estava iniciando o projeto de construção do Instituto do Câncer de Londrina.
Dona Lucilla, que erroneamente pronunciam o sobrenome Balla-LAI e o correto é Balla-LÊ, por causa da origem francesa do sobrenome, era uma mulher incansável.
Naquele tempo, quando havia alguma promoção, as comidas e quitutes eram comercializados em barraquinhas. Dona Lucilla, baiana de nascimento, comandava a Barraca da Bahia e o carro-chefe era um vatapá divino, que ela mesma preparava.
A família toda trabalhava na Barraca da Bahia: Cristina, Sônia, Anízio, Dona Azália, Seu Franciso e eu, destacado sempre para ser o garçom. Vestia um avental, botava um pano no ombro e corria para servir as mesas.
Realizamos as promoções durante vários anos. E eu sempre na mesma função. Limpava as mesas, tirava os pedidos, trazia os pratos... Eu achava aquilo tudo o máximo e fazia com muita alegria. Hoje o sonho de Dona Lucilla é realidade. O Hospital do Câncer de Londrina, localizado na rua que leva o seu nome, é hoje um centro de alta complexidade no tratamento oncológico, e que recebe milhares de pacientes vindos do Norte do Paraná, Sul de São Paulo e de outras regiões do país. O atendimento é feito quase que na totalidade através do SUS e com recursos de doações da comunidade.