Viação
Santa Amélia
No
dia
15 de fevereiro de 1958, um sábado de carnaval, papai chegou
em casa, na Vila Mariana, no momento em que nós sentávamos
à mesa para almoçar:
– Pedro
e Manoel! Almocem depressa, porque eu preciso de vocês. Vamos
inaugurar uma empresa de ônibus!
Sem
entender nada, fizemos um sanduíche cada um e embarcamos no
automóvel de papai. Chegamos a um Posto Esso na Rua Domingos
de Moraes, próximo à São Judas Tadeu, no
Jabaquara, e avistamos alguns homens uniformizados.
Estacionados
no pátio do posto, avistei cinco ônibus coloridos:
tinham a Saia (a parte de baixo da carroceria dos ônibus)
vermelha e a metade acima, ou Blusa, na cor amarela. Os ônibus
traziam as cores vibrantes da bandeira espanhola. O nome da empresa
de transporte urbano vinha estampado na lateral: Viação
Santa Amélia Ltda.
Em
segredo, papai estruturou mais um empreendimento. Do tempo em que
saía de Ibiporã para fazer compras em São Paulo
para abastecer a Casa Econômica, ele cultivou amizade com
diversos comerciantes, entre eles o João Jorge Saad, que
trabalhava na M. Saad e Cia., empresa que ficava na Rua 25 de Março,
esquina com a Ladeira Porto Geral.
Anos
depois, João Jorge Saad fundaria o Grupo Bandeirantes de
Comunicação. Era casado com Maria Helena, filha do
prefeito de São Paulo na época, Sr. Adhemar de Barros.
Na
época do namoro, João se aconselhava com meu pai,
quando os dois se encontravam:
– Ô
Zé, será que eu caso com ela?
– Pega
logo rapaz. Ela é filha do homem!
Quando
Adhemar de Barros assumiu a prefeitura, ele privatizou parte do
serviço de transporte que até então era feito
exclusivamente pela CMTC – Companhia Municipal de Transportes
Coletivos. O prefeito manteve a estatal, mas abriu oportunidades para
que empresas particulares explorassem o serviço.
Empreendedor
e populista, o então prefeito Adhemar de Barros falava inglês,
francês, italiano e alemão. Entrou para a história,
conhecido como o político que “rouba, mas faz”.
O
tio de João Saad, Sr. Constantino Ayruth, convidou meu pai
para montar uma empresa na Zona Sul de São Paulo. Papai, homem
das oportunidades, aceitou. E assim compraram cinco chassis Alfa
Romeo e mandaram encarroçar na empresa mais importante do
setor, a Caio.
Naquela
manhã de carnaval, no pátio do Posto Esso da Rua
Domingos de Moraes, papai nos apresentou aos motoristas e cobradores.
Também nos apresentou ao Sr. Ayruth que estava acompanhado do
filho, Basílio, um pouco mais velho que eu. Em seguida, papai
mandou soltar os ônibus, dando início às
atividades da Viação Santa Amélia.
O
Tio Roque, concunhado de papai, tinha um Mercedes LP312 e puxava
madeira e outros materiais para Brasília, a nova capital
federal que estava em construção.
Ele
era casado com a indócil Tia Lourdes, minha babá na
infância, e com ela tivera três filhos: José
Thomás, Paulo Celso e Regina. Estavam morando em São
Paulo e papai o convidou para largar a estrada e ajudá-lo na
empresa.
Os
veículos da Viação Santa Amélia faziam
uma linha curta, da Praça da Árvore até o Parque
do Estado. O Parque do Estado foi depois parcialmente cedido para a
criação do Jardim Zoológico de São Paulo.
Para o conforto dos passageiros, esticamos a linha até a porta
de entrada do zoológico. O motorista da linha era o José
Maria Macieira, sujeito agradável que depois de muitos anos
reencontrei ao embarcar em seu táxi, no Aeroporto.
O
novo empreendimento de papai proporcionou muito aprendizado para o
Manoel e para mim. Éramos jovens, ainda estudantes e nos
mobilizamos para ajudar o nosso pai. Eu ficava de dia e o Manoel à
noite, e vice-versa.
Juntamente
com o Basílio, filho do Sr. Ayruth, cuidávamos do
caixa, da escala de trabalho, do controle de limpeza e lavagem dos
ônibus. De madrugada, fazíamos o controle da saída
dos veículos para as linhas. Nós éramos
responsáveis por toda a operação da Viação
Santa Amélia.
Como
a empresa era pequena, quando um cobrador ou um motorista faltava,
nós tínhamos que substituí-los na função.
Trabalhei muitas vezes como cobrador e, eventualmente, como
motorista. Dirigir aquele Alfa Romeo antigo não era fácil.
O volante era pesadíssimo, ainda mais com o ônibus
lotado.
Vou
confidenciar uma coisa: eu tinha habilitação para
dirigir automóvel, mas para ônibus não. Acontece
que o serviço não podia parar, tinha que colocar os
carros nas linhas, então não tinha jeito. Minha rotina
em São Paulo começou a ficar mais puxada: de casa para
o estudo, do estudo para a empresa. Muitas vezes trabalhava até
altas horas e, por diversas ocasiões, nem ia pra casa. Dormia
lá mesmo e de manhã ia para a aula.
Nós
trabalhávamos direto, mas não havia salário.
Aliás, nem se falava nisso. Eu e Manoel éramos os
companheiros de papai, empenhados em levar o negócio adiante.
Mais
tarde foi criada uma segunda linha, saindo da Praça da Árvore
e indo até o Taboão, no município de São
Bernardo do Campo. Os passageiros queriam que a linha chegasse até
o centro de São Paulo, mas era impossível por causa de
uma lei promulgada pelo então prefeito Jânio Quadros,
que proibia que linhas particulares chegassem até 4 km do
centro da capital.
Porém,
meu pai conseguiu uma autorização no DER para
transportar passageiros do Taboão até a Praça da
Liberdade, no centro de São Paulo.
A
partir dessa segunda linha, a coisa começou a crescer: manteve
a linha da Praça da Árvore e uma outra do Taboão
para a Praça da Liberdade.
Com
recursos entrando, papai alugou um espaço para a garagem, onde
eu e Manoel dávamos expediente diariamente. No início
dos anos 1960, a Viação Santa Amélia chegou a
ter 21 ônibus circulando em São Paulo.